Doutorado e academia no exterior
This post is written in Portuguese as it targets Brazilian students who wish to know more about academia abroad.
Na época em que terminava minha graduação e iniciava meu mestrado em letras na UFRGS (2010), me deparei com dois planos: (a) gostaria de fazer um doutorado, já que estava gostando de fazer pesquisa; e (b) gostaria de imigrar em definitivo para viver fora.1 Para que essa combinação não fosse contraditória, eu precisaria, idealmente, fazer meu doutorado fora. Consequentemente, precisava de informações específicas, algo que exigiu tempo e pesquisa. Desde então, leio inúmeras perguntas similares às que tive em redes como Quora e Reddit (r/foradecasa e r/askacademico). Também recebo emails com dúvidas gerais e específicas sobre a carreira de professor universitário fora do Brasil. Por essa razão, decidi incluir este post em português em meu blog. A ideia é reunir aqui todas as dicas e sugestões que eu tipicamente dou sobre o assunto. Além disso, você pode incluir comentários e perguntas ao fim da página.
Antes de prosseguir, preciso deixar claro que:
minha área é linguística, e é sobre ela que falarei. Muitas coisas são aplicáveis a outras áreas, mas não há garantia alguma de que pontos específicos sejam generalizáveis. Além disso, é sempre bom lembrar que respostas categóricas são quase sempre uma simplificação. Na realidade, há inúmeros fatores importantes envolvidos em qualquer decisão ou fato no mundo acadêmico;
sou mais familiarizado com o sistema da América do Norte. Portanto, embora haja semelhanças em programas na Europa e Oceania, meu foco será EUA e Canadá (falarei brevemente do Reino Unido também). Ou seja, quando eu disser “exterior”, é dessas regiões que estou falando (e não, por exemplo, de seguir carreira na China, na Nova Zelândia, ou na Áustria).
- Graduação em letras (bacharelado) pela UFRGS (2009)
- Mestrado em letras (linguística) pela UFRGS (2012)
- Doutorado em linguística pela McGill University (2017)
- Professor temporário na Concordia University, Canadá (2017)2
- Professor tenure-track na Ball State University, EUA (2018–2022)
- Professor3 na Newcastle University, Reino Unido (2022)
- Professor tenure-track na Université Laval, Canadá (2022–)
Carreira acadêmica: seguir ou não seguir?
Se você está lendo este post, é porque se interessa em seguir uma carreira acadêmica fora do Brasil. Talvez ache que a situação no Brasil não esteja boa o suficiente; ou que os concursos são escassos e muito concorridos. Talvez você queira de fato imigrar, e vê no doutorado (ou PhD)4 uma forma de fazer isso de maneira menos traumática, uma vez que você gosta de pesquisa. Tudo isso é válido, mas um doutorado envolve um investimento alto de tempo e trabalho, e o custo de oportunidade é bastante elevado. Portanto, antes mesmo de decidir se você quer embarcar nessa jornada, é preciso considerar o depois: o que você pretende atingir ao realizar um doutorado (fora).
Vamos aos prós e contras de um plano que envolve carreira acadêmica no exterior (vs. no Brasil):
Prós:
- salários melhores
- progressão de carreira mais dinâmica
- melhor infraestrutura
- qualidade de vida mais elevada (EUA, Canadá, Europa etc.)
- maior apoio à pesquisa e ao ensino
Contras:
- maior competitividade
- burocracia (e custo) envolvida no processo de imigração
- dificuldades práticas (idioma, estrutura acadêmica, adaptação ao país)
Toda e qualquer vantagem (ou desvantagem) dependerá da sua “sorte”: há universidades com mais benefícios e universidades com menos benefícios; há vagas “OK”, vagas boas, e vagas excelentes. Há lugares em que você dará 3 ou 4 disciplinas por semestre, e há lugares em que você dará 2. Embora no Brasil também haja uma variação nas condições de trabalho, o desvio padrão fora do Brasil é muito maior (e não estou considerando aqui o custo de vida de cada lugar, que certamente afeta as vantagens salariais de um emprego)—volto a este ponto mais tarde.
Seus dois grandes desafios
Qualquer pessoa que deseja seguir carreira acadêmica precisa vencer dois grandes desafios:
- Entrar no melhor doutorado possível, e sair dele tendo feito um bom trabalho5
- Enfrentar uma concorrência absurda no mercado acadêmico e garantir uma vaga tenure-track,6 (professor adjunto com dedidação exclusiva no Brasil; assistant professor em alguns países de língua inglesa; professeur adjoint no Québec; W1 na Alemanha; lecturer no Reino Unido, na Austrália; etc. Veja este post.)
O passo (1) é necessário para que o passo (2) seja menos difícil. Embora esses desafios sejam “universais” ao redor do mundo, a magnitude de ambos é diferente dependendo do país ou da região. Um bom programa de PhD (defino isso abaixo) na América do Norte em linguística terá entre 100 e 200 candidatos todo ano para 5-10 vagas. Isso raramente é o caso no Brasil, onde mesmo universidades federais de ponta recebem, muitas vezes, menos de 10 candidaturas para uma determinada linha de pesquisa que tem 5 vagas, por exemplo. Ao entrar em um PhD norte-americano, você terá um programa que dura geralmente 5 anos. Poucas pessoas terminam o PhD nesse tempo, mas é possível (é normal vermos durações de 7 anos, por exemplo)—outra diferença relativa ao Brasil. Durante esse período, você precisará apresentar em bons congressos e publicar pelo menos um artigo em um periódico top. Quando falo em bons congressos e bons periódicos, me refiro a algo de prestígio internacional.
Terminando o programa, você entrará no mercado de trabalho. Contudo, antes do fim do seu programa, você perceberá que há pouquíssimas vagas permanentes para muitos doutores (problema similar ao brasileiro). Além disso, considere que um concurso na América do Norte receberá currículos de virtualmente qualquer lugar do mundo. Por essa razão, cada vaga para professor em linguística pode ter mais de 100 candidatos. Vagas mais específicas terão algo em torno de 50 (por exemplo, uma vaga de sintaxe gerativa com um componente experimental).
Um bom programa de PhD cobre a sua tuition e fornece um stipend para o programa inteiro, ou seja, geralmente 5 anos. Além disso, oferece uma quantia para você viajar a congressos. Nesse tipo de programa, você também tem a oportunidade de dar aula como professor ou como teaching assistant, algo que é valioso como experiência docente no seu CV. Finalmente, um bom departamento tem uma rede de suporte acadêmico que não deixa alunos na mão, em que professores são sérios em seus papéis de orientação, e, finalmente, em que a pesquisa feita é de ponta e atrai grants de fontes externas à universidade. Um bônus: bons departamentos têm sites transparentes quanto a dois pontos: i) o suporte financeiro garantido aos novos alunos e ii) o histórico de job placement de ex-alunos. Os melhores departamentos de linguística tipicamente preenchem todos (ou quase todos) esses requisitos. Cabe a você fazer uma pesquisa minuciosa nos sites dos departamentos para examinar essas informações.
Por fim, um estudante de doutorado estrangeiro tem um terceiro grande desafio: estar em um país e em uma cultura diferentes. Sendo de fora, você não terá nenhuma rede de apoio no país e terá alguns desafios linguísticos no seu dia a dia. Precisará dar conta não apenas do componente acadêmico, mas também do componente social e pessoal, algo que seria mais fácil no seu país natal. Lembre-se de que um PhD é, muitas vezes, um processo solitário. Se você não convive bem com a solidão, fazer um PhD fora do Brasil será um desafio adicional, especialmente se você for estudar em uma universidade em uma região fria, no interior, longe de grandes centros urbanos, etc. Leve isso em consideração: o problema de saúde mental em pós-graduações é significativo.
Seleção e bolsas
A regra é simples: bons programas são programas que têm bolsa. Se um programa não tem bolsa, ele não é bom para você. Portanto, ao escolher para que programas você vai fazer seleção, escolha apenas aqueles que dizem explicitamente nos seus respectivos sites que garantem funding ao longo do programa para os seus alunos. Isso evita que você dependa de bolsas brasileiras (que exigirão que você volte ao fim do programa) e que você dependa de trabalhar em termo parcial para se sustentar, algo que diminuirá drasticamente o seu rendimento acadêmico e, consequentemente, as suas chances de conseguir construir um currículo competitivo. Veja o exemplo do departamento de linguística da McGill University, minha alma mater, abaixo.
As bolsas oferecidas por cada departamento vêm de diversas fontes:
- bolsas de pesquisa dos professores do departamento;
- fellowships da própria universidade;
- doações de ex-alunos que estabelecem um prêmio para um determinado perfil de aluno;
- governo.
Às vezes, um departamento não possui bolsas todo ano. Em vez disso, um determinado professor (detentor de um grant) anuncia uma vaga para PhD com bolsa. Neste caso, a bolsa vem especificamente desse grant—há diversas vagas desse tipo na Europa, por exemplo.
De qualquer forma, em um departamento realmente bom, você não pagará nenhuma tuition (ou seja, zero gasto com a sua educação) e ainda ganhará um “salário” comumente chamado de stipend. O valor desse salário varia, e você precisa examinar cuidadosamente o custo de vida local para entender se o valor será ou não suficiente (também leve em conta que há tetos para os valores de stipends impostos pelo próprio governo). Leve em consideração que muitas das melhores universidades estão em cidades caras, e isso certamente impactará as suas finanças e a sua bolsa. Uma boa fonte de informações sobre custo de vida é o site numbeo.
Uma vez que você seja aceito em um bom programa, você será automaticamente considerado para essa ajuda financeira. Contudo, ao longo do programa, é comum que o departamento incentive os seus alunos a fazer seleções de bolsas externas. Isso é bom para o departamento e para você: se você consegue uma bolsa externa, seu currículo melhora e o departamento economiza dinheiro. Bolsas externas geralmente vêm de agências de fomento como a CAPES no Brasil. Nos EUA, a principal agência de fomento é a NSF (National Science Foundation). No Canadá, a agência equivalente é o SSHRC (Social Sciences and Humanities Research Council)—no Québec, temos também o FRQ (Fonds de recherche du Québec), uma espécie de FAPESP. Geralmente, essas agências não estão ao alcance direto de alunos internacionais antes de eles serem aceitos no programa. Contudo, uma vez que você tenha sido aceito em um programa, você poderá se candidatar a bolsas de doutorado de uma dessas agências.
A estrutura de um doutorado típico
Um doutorado de 5 anos possui três componentes obrigatórios. No geral, ele não é muito diferente do que temos no Brasil em termos de estrutura.
- Disciplinas (anos 1 e 2). Nem todo PhD tem um coursework de várias disciplinas; alguns seguem um estilo mais europeu, em que você acompanha alguns seminários personalizados. Contudo, no geral, PhDs normalmente terão coursework na América do Norte
- Avaliações (comprehensive exams e/ou qualifying papers; anos 2 e 3)
- Tese (dissertation; anos 4 e 5)
Além desses componentes, você certamente precisará ir a congressos, workshops, etc. Talvez você faça parte de comitês, ou da organização de eventos acadêmicos. Tudo isso ajuda na construção de um currículo mais competitivo ao longo dos seus 5+ anos dentro do programa.
Como exemplo, em meu PhD (McGill University, 2017), cursei 18 disciplinas (entre obrigatórias, sugeridas e optativas) e fiz dois qualifying papers. Um qualifying paper é um artigo que você produz em uma subárea do seu doutorado. Ele pode ou não estar ligado ao seu projeto de tese mais tarde. No meu caso, os dois artigos deveriam estar em subáreas distintas da linguística. Todo bom programa terá uma descrição detalhada de sua estrutura no site do departamento que oferece esse programa. Portanto, estudar essa estrutura (que pode mudar de tempos em tempos) é essencial uma vez que você tenha decidido para quais programas fazer seleção.
Uma seleção típica para PhD
Normalmente, você precisa enviar os seguintes documentos:
- Carta de apresentação
- Currículo
- Writing sample
- Histórico acadêmico (idealmente o seu GPA será de pelo menos 3/4)
- Cartas de recomendação
- Testes (TOEFL, GRE, etc.), enviados diretamente se aplicável
Os dois documentos mais importantas são o seu writing sample e a sua carta de apresentação. São eles que mostrarão o seu potencial acadêmico para pesquisa e o seu encaixe naquele departamento. Cartas genéricas são uma má ideia: você precisa demonstrar que tem razões claras para escolher aquele departamento. Isso envolve conhecer quem são os professores e o que eles pesquisam; envolve também conhecer um pouco sobre a universidade, a região, os grupos de pesquisa, etc. Ou seja, você precisa realmente saber por que quer ir para o departamento X.
O seu writing sample precisa ser o seu melhor trabalho acadêmico. Normalmente, algum texto que você tenha produzido recentemente no seu mestrado, e que tenha sido minimamente recebido feedback de algum professor. Ninguém espera que você já tenha publicado (bons) artigos antes de um doutorado (em linguística). Se você tiver publicado um artigo, ótimo, mas lembre-se de que o peer-reviewing é muitas vezes fraco, e é sempre uma boa ideia ter uma opinião adicional sobre a qualidade do seu material.
Normalmente, há dois rounds de seleção. Um subconjunto de candidatos é às vezes entrevistado virtualmente (alguns departamentos não entrevistam mais neste round). Desse grupo, sairá uma lista final com a oferta da vaga. Você às vezes tem a oportunidade de visitar o campus para decidir se aceita ou não (pode haver uma ajuda de custo, mas ela raramente cobre os gastos do deslocamento do Brasil). Como muitos alunos fazem seleção para vários programas, é possível que haja mais de um aceite para um dado candidato. Logo, ele precisa decidir qual oferta aceitará. É principalmente nesse contexto que a visita no campus pode ser útil.
Uma vez que você aceite a oferta, receberá uma carta necessária para o início do processo de visto de estudante. Geralmente, o gasto com visto não é coberto. Tampouco será coberto o seu deslocamento até o país. Ou seja: mesmo com bolsa, será preciso ter economias para cobrir visto, passagem, e provavelmente o seu primeiro mês na cidade, já que o seu primeiro pagamento pode ser efetuado apenas a partir do segundo mês no programa.
Por fim, você iniciará o seu programa em agosto ou setembro. O ano letivo no hemisfério norte normalmente vai de setembro a maio, e durante o verão você pode ou não estar “livre” de compromissos presenciais no campus. Com sorte, o seu pacote de bolsa incluirá disciplinas em que você atuará como teaching assistant, o que pode incluir tarefas adicionais no fim de cada semestre (como correção de trabalhos e exames).
Um “concurso” para professor
Você terminou o seu PhD e está pronto para o mercado de trabalho. Como funciona uma vaga típica? Embora sejam equivalentes a concursos no Brasil, vagas permanentes de docência funcionam de forma diferente.
Na América do Norte, assim como na Europa e na Oceania, a vaga mais desejada é a vaga permanente, chamada de tenure-track position, como já mencionado. Depois de contratado, você tem um período de 4-6 anos, em que você precisa “provar a que veio”. Sendo bem-sucedido, você recebe sua tenure, e ficará na vaga até se aposentar (é basicamente como o concurso no Brasil, mas espera-se um pouco mais de você após o período probatório; isso também depende muito da universidade e do departamento). Os níveis de carreira dependem da universidade e da região, mas tipicamente temos algo assim:
- Assistant professor (= professor adjunto)
- Associate professor (= professor associado)
- Full professor (= professor titular)
Tudo que você fizer ao longo do seu PhD contará para um CV competitivo. Em muitas subáreas, candidatos que não têm um estágio pós-doutoral (pós-doc) não são nem considerados. Pessoalmente, já vi anúncio para um pós-doc na Europa que exigia como requisito mínimo já ter feito um pós-doc (!). Basicamente, você precisa das seguintes coisas para ser competitivo:
- Publicações
- Congressos
- Tema de pesquisa (atual e futuro) relevante
- “Sorte”7
De nada adianta ter 10 artigos ruins publicados. O que você precisa é ter artigos excelentes, em periódicos renomados. Qualidade acima de tudo. Ir aos melhores congressos também será importante, principalmente se esses congressos tiverem uma baixa taxa de aceite. Em linguística formal, os dois congressos mais competitivos aceitam menos de 10% dos trabalhos para comunicação oral (NELS e WCCFL). Outros congressos incluem GLOW, AMP, mfm, OCP, BUCLD, etc. Naturalmente, o tipo de congresso que você almeja depende da sua subárea (e.g., mfm para fonologia, GLOW para semântica e sintaxe). Você naturalmente descobrirá quais são os melhores congressos da sua área se estiver rodeado de professores que frequentam esses eventos.
O seu tema de pesquisa também importa, é claro. De nada adianta você ser excelente no que faz se o que você faz não atrai a atenção de ninguém na sua área; ou é algo datado que não ocupa mais os círculos de discussão ou pesquisa. É preciso saber onde depositar a sua energia, e não simplesmente depositá-la na primeira coisa que aparecer.
Por fim, mencionei “sorte” por uma razão muito simples: considerando a qualidade dos candidatos, e o número de pessoas por vaga, você precisará, sim, de “sorte”. O que quero dizer é que há fatores aleatórios sobre os quais você não tem nenhum controle. Esses fatores podem ser a diferença entre o fracasso e o sucesso, infelizmente. Isso tudo porque, como você verá abaixo, as seleções aqui são mais detalhadas e menos objetivas do que um concurso típico no Brasil.
Uma seleção típica
Primeiro, a vaga acadêmica é publicamente anunciada em sites como http://jobs.ac.uk, http://linguistlist.org,8 etc. Geralmente, você terá um deadline para enviar documentos e tudo que for exigido. Em média, você terá de 1 a 2 meses para preparar os documentos. Não subestime esse tempo: fazer seleções exige experiência, e você levará dezenas de horas para preparar um bom dossiê. A lista de documentos exigidos varia (alguns empregos focam mais em pesquisa; outros, mais em ensino; outros, 50-50), mas costuma ser mais ou menos esta:
- Carta de apresentação (1-2 páginas; cover letter)
- Currículo
- Programa de pesquisa (3-5 páginas; research statement)
- Programa de ensino (2-3 páginas; teaching statement)
- Avaliações de alunos sobre seu papel como professor
- Amostra de publicações (1-3 artigos)
- Referências (geralmente 2 ou 3 professores/pesquisadores)
Ou seja, ao longo dos cinco anos do seu PhD, você precisa adquirir experiência de pesquisa e ensino, idealmente sendo teaching assistant ou dando alguma disciplina. Isso já pode ser um problema, já que em muitos lugares você não terá a oportunidade de ter esse tipo de experiência. Por exemplo, em alguns departamentos, teaching assistants apenas corrigem provas; em outros departamentos, você nunca poderá ser o professor de uma disciplina inteira antes de terminar o seu PhD. Isso tudo reduz drasticamente suas chances de conseguir uma tenure-track que valorize ensino ao sair do seu PhD (nem todas valorizarão ensino, é claro). Nesses casos, você talvez tenha de ser professor adjunto ou substituto por alguns anos até ter a experiência necessária para ser competitivo em uma nova seleção para vaga permanente.
Etapa 1: envio de documentos. Você envia os documentos listados acima através do site da instituição ou via email.
Etapa 2: Longlist. Normalmente, o comitê de seleção fará uma “lista longa” (longlist) de aproximadamente 15-20 candidatos (novamente: estou falando de minha área). Ou seja, nesta primeira etapa, a grande maioria já é eliminada. Os candidatos na longlist serão contatados para uma entrevista online. Se você não for um dos escolhidos para a longlist, talvez você seja avisado que não conseguiu. Mas é possível que você nunca receba nenhum aviso, e precise deduzir o resultado. Depois de um ou dois meses, você conclui que não deu certo. É isso: sem nenhum email, sem nada. Alguns lugares são mais profissionais e avisam os candidatos eliminados, mas não espere que esta seja a regra, pois não é. Se você estiver na longlist, você já conseguiu algo bastante bom: a maioria esmagadora dos candidatos sequer é entrevistado.
Etapa 3: Shortlist. Dos 15-20 candidatos entrevistados online, sairão 3-5 candidatos. Eles farão parte da tão sonhada shortlist, e serão convidados para uma campus visit. Cada um desses poucos candidatos irá individualmente até o campus9 para a etapa final (em alguns lugares, campus visits tendem a ter todos os candidatos simultaneamente). Nesta etapa, o comitê precisa convencer os candidatos de que o campus e a cidade são lugares legais. Afinal, o processo de seleção é caro e cansativo, e eles querem contratar alguém que queira ficar, é claro. Dos itens acima, de longe o mais importante é a job talk (quase sempre; exceto em vagas exclusivas de ensino, em que a job talk normalmente não existe). É nela que você vai mostrar a qualidade da sua pesquisa, e o quão bem você responde perguntas. A visita (passagens, hotel etc.) é paga pela universidade, que também paga os gastos com a mudança para o candidato escolhido mais tarde. A grande verdade é que o processo de seleção é, de certa forma, uma caixa-preta. Diferentemente do Brasil, você não sabe exatamente o que será feito nos bastidores. Afinal, o departamento tem autonomia para definir suas próprias regras (até certo ponto), algo bem diferente do que acontece em concursos públicos no Brasil. Uma visita ao campus pode variar bastante, mas pode incluir:
- Reuniões e mais reuniões (com o comitê de seleção; com alunos de pós-graduação; com outros professores)
- Uma job talk, em que você apresenta sua pesquisa
- Uma demonstração de ensino (em alguns casos)
- Almoços e jantas com membros do departamento
- Tour pelo campus
- Tour pela cidade
Etapa 4: Oferta de emprego. Depois de algumas semanas, os candidatos que estavam na shortlist terão visitado o campus, e o comitê precisará decidir quem é o escolhido. Assim que a decisão for tomada, uma oferta é feita ao candidato preferido. Começam as negociações: você pode negociar salário, bolsas de pesquisa, etc. Cada lugar poderá oferecer mais ou menos, dependendo do poder de compra da universidade. Enquanto isso, os outros 2-4 candidatos que também fizeram uma visita ao campus estão aguardando, sem saber se uma oferta já foi feita. Se o candidato escolhido aceitar a oferta, os outros geralmente serão avisados que não conseguiram. Se ele negar a oferta, o emprego será oferecido ao próximo da shortlist. A menos que o candidato tenha conseguido mais de uma oferta de emprego, é praticamente impossível recusar uma oferta permanente. Considerando que há dezenas e dezenas de candidatos por vaga, se você receber apenas uma oferta e ainda não tiver emprego, você vai aceitar.
Os principais erros de doutorandos
Não ter um plano B
Considerando o que sabemos sobre a competitividade do mundo acadêmico, todo doutorando precisa ter um plano B. Mesmo que você queira ser um professor universitário mais tarde, você precisa estar pronto caso esse plano não dê certo. Isso significa que você precisa pesquisar sobre alternativas: conheça o mercado não acadêmico que se aplica ao seu caso. Faça contatos, visite feiras, faça workshops, e, principalmente, desenvolva habilidades que seja aplicáveis não apenas ao mundo acadêmico. Por incrível que pareça, 5+ anos passam rápido, e você não quer chegar ao fim do seu doutorado com um currículo que só se aplica a uma vaga acadêmica permanente. É um risco muito grande. Este ponto tem sido mais cuidadosamente considerado hoje dia. Uma boa fonte de informação sobre esse assunto é o blog de Hadas Kotek.
Não pensar sobre finanças
Não pensar sobre dinheiro é um defeito comum no meio acadêmico que conheço (humanas e ciências sociais). Esse é um erro independentemente de você querer seguir carreira acadêmica ou não. Contudo, esse erro é mais problemático ainda no mundo acadêmico porque você demora muito tempo para começar a ter uma renda estável. Mesmo doutorandos que nunca se atrasam terminarão o doutorado com ~30 anos, já que você passa anos apenas estudando para terminar a sua formação acadêmica. Se tudo der certo, você normalmente estará garantido financeiramente. O problema é se as coisas não derem certo, um cenário que é, infelizmente, bem mais provável. Pensar sobre finanças é importante, especialmente quando consideramos o impacto que a variável tempo tem sobre este assunto.
Pressupor que serão a exceção
Tente ao máximo dar o seu melhor ao longo da sua formação, é claro, mas não ache que você será a exceção. Se quase ninguém termina o PhD em 5 anos, não pense que você terminará. Se há pouquíssimas vagas tenure-track, não ache que você será justamente aquele que conseguirá a vaga assim que terminar o seu PhD. Pense de maneira estatística e racional: isso evita frustrações e ajuda a construir um plano B mais concreto.
Ignorar a necessidade de desenvolver marketing pessoal
Saber “vender” é uma habilidade universalmente importante. Você precisa mostrar a sua pesquisa às pessoas, e precisa convencê-las de que o seu assunto é pertinente à área (essa habilidade é essencial em aplicações para grants e bolsas de estudo ou pesquisa, por exemplo). Para isso, você precisa saber apresentar ideias de maneira eficiente, falar bem em público, ter uma presença online eficaz e profissional. A imensa maioria dos alunos de pós-graduação não parece se importar muito com essas competências, e este é um ponto que pode diferenciar substancialmente alguém. Eu conheço diversos acadêmicos brilhantes e com um potencial imenso, mas que não parecem ter interesse algum em visibilidade (presença online, por exemplo). De qualquer maneira, você precisa pensar que uma carreira acadêmica vai muito além de ir bem nas disciplinas do seu doutorado e escrever uma tese “boa”. Tenha um site, desenvolva e compartilhe materiais, disponibilize seus trabalhos e manuscritos. Tudo isso semeia uma presença online que contribuirá com a sua visibilidade na hora de você entrar no mercado acadêmico. Por fim, esta é uma competência continua sendo extremamente relevante depois que você já é um professor: a sua pesquisa, afinal, precisa ser disseminada.
Sugestão de leitura
- O melhor livro sobre este assunto: Good job if you can get it, de Jason Brennan
- 12 resolutions for grad students
- 10 easy ways to fail a PhD
- 3 qualities of successful PhD students: Perseverance, tenacity and cogency
- 5+5 Commandments of a PhD
Para testar a sua resolução:
Dicas finais
Converse com pessoas que trilharam um caminho similar ao que você deseja trilhar. Entre em contato com graduate students atuais dos programas que possam interessar ao seu perfil. Pergunte sobre os pontos mencionados acima (suporte financeiro e acadêmico, etc.). Busque modelos de currículos e personal/research/teaching statements (há vários online), para que você tenha uma noção sobre como esse tipo de documento é elaborado. Comunicação e pesquisa prévia são essenciais para que você esteja mais bem preparado para seleções de PhDs.
Minha opinião
A carreira acadêmica pode ser ótima: flexível, enriquecedora e gratificante. O grau de contentamento com a carreira dependerá, muitas vezes, da pessoa com quem conversamos, porque cada um terá uma circunstância e um conjunto de experiências bastante particular (o alto desvio padrão que mencionei acima). É perfeitamente possível, por exemplo, que duas pessoas tenham opiniões diametralmente opostas sobre a carreira, simplesmente porque não há como prever a qualidade do emprego que alguém conseguirá: lembre-se de que nem todo emprego permanente é igualmente desejável. Meu objetivo aqui não é discorrer sobre as qualidades da carreira. Em vez disso, meu intuito foi mostrar dados e desafios importantes que farão parte do caminho necessário para que você tente embarcar nessa carreira.
Mais dúvidas?
Fique à vontade para postar dúvidas mais específicas nos comentários ao fim desta página. Farei o possível para respondê-las.
Copyright © 2024 Guilherme Duarte Garcia
Notas de rodapé
O plano (b) já existia há alguns anos, já que viajar e planejar uma vida no exterior era uma prioridade antiga.↩︎
Ocupei esta vaga entre o fim de meu doutorado, em outubro de 2017, e o início de minha posição permanente nos EUA, em janeiro de 2018.↩︎
Vaga análoga, mas não idêntica, a tenure-track na América do Norte.↩︎
Usarei ambos os termos de forma sinônima, já que significam a mesma coisa.↩︎
Boas publicações, bom networking, experiências que vão além de disciplinas cursadas, etc.↩︎
Aqui, vou focar apenas em vagas permanentes, conhecidas como tenure-track.↩︎
Com o tempo, você verá currículos excelentes ainda sem uma vaga permanente, e currículos sem nada de especial com uma vaga permanente. Como seleções são subjetivas, existem diversos fatores que explicam esse tipo de assimetria. Aqui entra a “sorte” da qual falo: o melhor currículo não necessariamente terá a vaga. Muitas vezes, é a perspectiva de grants de um dado assunto que aumentará as chances de um candidato; ou o quão bem esse candidato se encaixa no programa de pesquisa existente no departamento. As razões são inúmeras. A seleção é, de certa forma, uma “caixa preta”.↩︎
Ambos os sites também anunciam vagas de PhD, dentre outros tipos de oportunidades.↩︎
Durante a pandemia de 2020, essa etapa foi feita online. Foi o meu caso para a vaga que ocupei na Newcastle University e para a vaga que ocupo hoje na Université Laval.↩︎